A cirurgia vascular é uma especialidade relativamente nova entre as especialidades cirúrgicas. Ela se tornou realidade mundialmente no final dos anos quarenta e início da década de cinquenta do século passado.

O Departamento de Cirurgia da FMRP-USP foi fundado em fevereiro de 1954 pelo Prof. Ruy Escorel Ferreira-Santos (discípulo do Prof. Edmundo Vasconcellos – HCFM-USP) a convite do então Diretor e Fundador da FMRP, Professor Zeferino Vaz. Para a organização departamental o Prof. Ferreira-Santos tomou como base a estrutura de universidades americanas correspondentes que visitou com recursos de uma bolsa da Fundação Rockfeller.

A primeira equipe de assistentes, convidados pelo Prof. Ferreira-Santos, foi constituída pelos seguintes docentes: Dr. Luiz Heraldo Câmara Lopes (Cirurgião Geral e Torácico do IAPC de São Paulo); Dr. Sylvio de Vergueiro Forjaz (Neurocirurgião do HC de São Paulo, com estágios em Paris, Estocolmo e Edinburgo); Dr. Célio Fontão Carril e Dr. Pier Luigi Castelfranchi (ex-residentes da 2ª Clínica Cirúrgica do HC de São Paulo, chefiada pelo Prof. Edmundo Vasconcellos); Dr. Manoel dos Santos Gabarra (Cirurgião Geral do Hospital São Francisco de Ribeirão Preto); e, Dr. João Ferreira Machado, (Anestesista da Santa Casa de Ribeirão Preto).

Em 1956 o Prof. Ferreira-Santos convidou um segundo grupo de assistentes e entre eles o Dr. Cláudio Tácito de Macedo Escobar recém egresso do programa de residência médica do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina de São Paulo – Universidade de São Paulo.

Durante os anos iniciais, embora a estrutura curricular fosse dividida em disciplinas, os assistentes seguiam os princípios da formação geral, não especializada. No início dos anos sessenta, julgou-se necessária a especialização destes novos assistentes. Com este objetivo, o Prof. Escobar foi designado para desenvolver a Cirurgia Vascular, assim como os outros docentes: o Prof. Célio Fontão Carril foi encarregado pela disciplina de Proctologia; o Prof. Pier Luigi Castelfranchi pela Gastroenterologia e o Prof. Áureo José Ciconelli pela Urologia.

Como já assinalado a especialidade cirurgia vascular surgiu nos anos cinquenta em algumas faculdades de medicina do Brasil e a própria Sociedade Brasileira de Angiologia foi criada em novembro de 1952 com a participação de cirurgiões gerais que faziam cirurgias de varizes e amputações e de clínicos principalmente do Rio de Janeiro onde existia os assim chamados angiologistas, daí o nome inicial da Sociedade.

O Prof. Ferreira-Santos foi eleito o diretor científico da primeira diretoria. A experiência adquirida pelos cirurgiões gerais nos traumas vasculares na segunda guerra mundial e na guerra da Coréia e as primeiras cirurgias de desobstrução arterial em doenças obstrutivas crônicas, no final da década de quarenta, realizada e divulgada por Dr. João Cid dos Santos (cirurgião português), fez com que se desenvolvesse a cirurgia arterial reparadora não só nas obstruções como também no tratamento cirúrgico dos aneurismas. Aliado a estas experiências surgiram os fios de sutura vasculares sintéticos e as primeiras próteses como substitutos vasculares.

As derivações ou pontes utilizando-se de veias safenas no tratamento das obstruções ficaram conhecidas após a publicação do trabalho do cirurgião francês Dr. Jean Kunlin, também no final da década de quarenta. A Disciplina de Cirurgia Vascular da FMRP praticou todas as cirurgias realizadas na época desde sua formação: endarterectomias, derivações arteriais com enxertos de safenas, correções de aneurisma da aorta abdominal, além das cirurgias venosas (varizes de membros inferiores) bastante difundida entre os cirurgiões gerais.

Em relação à cirurgia de varizes deve-se salientar a preocupação da Disciplina, desde os seus primórdios, em corrigir os refluxos venosos e também propiciar ao paciente cicatrizes cirúrgicas as menos indeléveis do ponto de vista estético. As primeiras cirurgias de correção de aneurisma da aorta abdominal foram executadas com prótese de tecido de nylon de uso em confecções de roupas íntimas de mulheres, preparadas artesanalmente com máquina de costura e esterilizadas, em virtude das dificuldades e custo na aquisição das primeiras próteses sintéticas importadas.

O Prof. Escobar, em 1960, estagiou durante 6 meses na Disciplina de Cirurgia Vascular da Faculdade de Medicina de São Paulo, chefiada pelo Prof. Luis Edgard Puech-Leão, um dos primeiros Serviços de Cirurgia Vascular do Brasil. Em 1966 foi nomeado docente o médico ex-residente de cirurgia do Departamento Dr. Osvaldo Teno Castilho que se incorporou à Disciplina de Cirurgia Vascular juntamente com o Prof. Escobar. Como ocorria nos outros serviços de cirurgia vascular ligados à instituições universitárias os primeiros médicos residentes começaram a se especializar e a Disciplina de Cirurgia Vascular da FMRP formou o seu primeiro médico residente na especialidade o Dr. Jesualdo Cherri, após dois anos de cirurgia geral. Em 1969 o Dr. Cherri foi nomeado o terceiro docente da Disciplina de Cirurgia Vascular. Entre 1964 e 1965, por estímulo do Prof. Ferreira-Santos, assim como ocorreu nas outras especialidades, o Dr. Castilho estagiou na Baylor University, Houston, Texas no Serviço do Dr. Michael DeBakey em Houston, Texas e posteriormente nos Serviços dos Drs. Denton Cooley e George C Morris.

Os Profs. Escobar e Castilho atuaram na Disciplina até os anos 1969 quando então se desligaram para atuar em clínicas privadas em Ribeirão Preto. A partir desta data o Prof. Cherri passou a chefiar a Disciplina de Cirurgia Vascular. Saliente-se que em 1972 o Prof. Castilho defendeu sua tese de doutorado sobre a conservação de veias safenas homólogas como substituto arterial. Estudo experimental e aplicações clínicas. O estudo de substitutos vasculares foi desde o início interesse da Disciplina, haja vista os trabalhos de teses dos Profs. Castilho e Cherri, constituindo uma das linhas de pesquisa da especialidade que se perpetuou até os dias atuais. Em 1974 foi nomeado o Prof. Takachi Moriya e em 1975 o Prof. Carlos Eli Piccinato como novos auxiliares de ensino conforme designação da época na Universidade de São Paulo.

O Prof. Takachi defendeu seu mestrado em 1976 sobre equilíbrio ácido-base em pacientes operados em cirurgias eletivas e em 1981 o doutorado sobre as complicações vasculares e cardíacas em receptores renais. Em 1977 o Prof. Piccinato defendeu o doutorado sobre equilíbrio hidroeletrolítico em paciente operados em cirurgias eletivas com ênfase no uso de sobrecarga hidrossalina administrada já no pré-operatório. Em 1981 o Prof. Piccinato fez estágio pós-doutorado com bolsa do CNPq no Serviço de Cirurgia Cardiovascular do Hospital Civil da Universidade Louis Pasteur de Strasbourg, França, sob a chefia do Prof. René Kieny, com duração de um ano.

Em 1989 acompanhando o progresso da cirurgia vascular em todo mundo introduziu-se a cirurgia endovascular na Disciplina com os mesmos objetivos de outras especialidades cirúrgicas no sentido de minimizar os procedimentos cirúrgicos aplicados, inicialmente, no tratamento das obstruções arteriais crônicas após as publicações do cateter balão de Gruntzig (1974). Posteriormente com os trabalhos de Palmaz e a introdução de endopróteses (stents) ampliaram-se as aplicações dos primeiros cateteres balões.

A correção abertas convencionais dos aneurismas principalmente da aorta abdominal também foi minimizada após os trabalhos de Juan Parodi (1991) e a colocação de endopróteses aórticas. Hoje utilizadas também em aorta torácica. O número de procedimentos endovasculares foi crescendo e a aplicação destes em pacientes do SUS foi liberado a partir do ano 2000, quando a Disciplina foi credenciada pelo Ministério da Saúde.

O Prof. Cherri chefiou a Disciplina até 1991 quando o Prof. Piccinato defendeu a Livre Docência e assumiu a sua chefia. Na defesa de tese deste concurso o Prof. Piccinato apresentou pesquisa experimental sobre o conteúdo iônico mitocondrial em oclusões arteriais agudas parcial ou total em membros pélvicos de ratos. A partir desta e de pesquisas anteriores solidificou-se nova linha de pesquisa em isquemia e reperfusão na Disciplina. Em 2002 o Prof. Cherri tornou-se Livre-Docente em concurso público e apresentou sua tese sobre o emprego de veia femoral superficializada na confecção de fístulas artério-venosas terapêuticas em pacientes sem opção de acessos habituais.

Em 2005 o Prof. Piccinato foi aprovado em concurso público e assumiu o cargo de Professor Titular na Divisão de Cirurgia Vascular e Endovascular. Em 2008 o Prof. Cherri aposentou-se e em sua vaga assumiu o Prof. Dr. Edwaldo Edner Joviliano após vencer concurso público para o cargo de professor doutor.

O Prof. Edwaldo já havia defendido o mestrado e doutorado no Programa de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia em 2001 e 2005 respectivamente. Em ambos investigou a reatividade endotelial em artérias femorais de cães em situações de isquemia e reperfusão. Defendeu sua Livre-Docência em 2013 e neste concurso elaborou tese sobre a importância do estudo do perfil dos componentes do sistema inflamatório nas doenças vasculares periféricas. Consolidou-se assim uma nova linha de pesquisa sobre a biologia molecular envolvida na reação inflamatória das angioplastias e em doenças vasculares.

Ainda em 2013 aposentou-se o Prof. Takachi e sua vaga docente foi preenchida pelo Prof. Dr. Maurício Serra Ribeiro após concurso público para o cargo de professor doutor. O Prof. Maurício apresentou sua tese doutorado no Programa de Clinica Cirúrgica, em 2012, sobre o perfil dos componentes do sistema das cininas, óxido nítrico e metaloproteinases como marcadores na reestenose de stents pós angioplastia percutânea transluminal periférica.

Em 2015 aposentou-se oficilamente o Prof. Carlos Eli Piccinato, passando a Chefia da Divisão de Cirurgia Vascular e Endovascular para o Prof. Edwaldo Edner Joviliano. O professor Carlos Eli Piccinato permanece em atividade na disciplina enquanto Professor Senior assim como o Professor Takachi Moryia enquanto Professor Colaborador.

Em 2008 o Conselho do Departamento de Cirurgia e Anatomia aprovou nova nomenclatura das várias disciplinas e a partir daí a Cirurgia Vascular passou a ser designada de Divisão de Cirurgia Vascular e Endovascular.

A Divisão é responsável pelo ensino de graduação de medicina como técnica cirúrgica e clínica cirúrgica no terceiro ano e disciplinas de clínica cirúrgica na área de cirurgia vascular do quarto ao sexto anos. Nos últimos anos ministra uma disciplina de angiologia nos cursos de terapia ocupacional e fisioterapia.

Em relação ao ensino de pós-graduação senso lato a Divisão oferece estágios de Residência Médica desde o seu início e participou de todos os credenciamentos da especialidade junto ao Conselho Nacional de Residência Médica. Além deste credenciamento ela é reconhecida pela Sociedade Brasileira de Angiologia e Cirurgia Vascular para oferecer estágio a médicos-residentes. Atualmente está credenciada para oferecer 4 vagas de Residência Médica de Cirurgia Vascular (dois anos) e 2 vagas para o terceiro ano em Cirurgia Endovascular.

Os seus docentes participam como orientadores do curso de Pós-graduação senso estrito do Programa de Pós-graduação em Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia e Anatomia, programas de mestrado e doutorado. Ministram 3 disciplinas de pós-graduação.

A produção científica da Divisão se baseia nas linhas de pesquisas já citadas sobre substitutos vasculares, isquemia e reperfusão , reação inflamatória vascular. Além destas desenvolvem-se outras como a da reatividade endotelial em colaboração com o Prof. Paulo R. Barbosa Évora (Divisão de Cirurgia Cardíaca) e seu laboratório e o estudo da insuficiência venosa crônica. As atividades assistenciais são intensas, sendo responsável pela atenção em nível terciário de pacientes oriundos do Sistema Único de Saúde da macro região de Ribeirão Preto ( 26 municípios), além da regiões de Franca, Araraquara ,São João da Boa Vista, São Carlos e Barretos do Estado de São Paulo e de outros estados. A Divisão de Cirurgia Vascular e Endovascular atua em dois Hospitais Estaduais- de Ribeirão Preto e de Américo Brasiliense conforme convênio estabelecido entre estes dois hospitais e o Hospital das Clínicas de Ribeirão Preto da FMRP-USP. Nestes dois hospitais predominam a atuação em nível secundário de atenção à saúde em casos menos complexos, importantes na formação dos médicos residentes da especialidade.

A Divisão participou na formação de 62 turmas do curso médico até dezembro de 2020. Formou 77 médicos-residentes em Cirurgia Vascular e Endovascular. Foram concluídas mais de 25 teses de mestrado e 23 teses de doutorado no Programa de Pós-graduação de Clínica Cirúrgica do Departamento de Cirurgia e Anatomia, relacionadas com a Divisão de Cirurgia Vascular e Endovascular. Três teses foram defendidas em concursos de Livre-Docência pelos docentes da área tambem até o ano de 2020.